O
direito do trabalhador ao vale-transporte é assegurado
pela Lei
nº 7.418/85, com a
alteração daLei
nº 7.619/87, e
constitui-se no benefício que o empregador antecipará
ao trabalhador para utilização efetiva em despesas de
deslocamento residência-trabalho e vice-versa,
entendendo-se como deslocamento a soma dos segmentos
componentes da viagem do trabalhador, por um ou mais
meios de transporte, entre sua residência e o local de
trabalho.
Não
existe determinação legal de distância mínima para
que seja obrigatório o fornecimento do vale-transporte,
de maneira que utilizando o empregado de transporte
coletivo, por mínima que seja a distância, o
empregador é obrigado a fornecê-lo. O empregador só
será desobrigado de fornecer o vale-transporte se
fornecer condução própria para o trabalhador se
deslocar de sua casa até o ambiente de trabalho e
vice-versa. No entanto, caso esse meio de transporte não
cubra todo o trajeto, o empregador tem que fornecer o
vale-transporte para finalizar a chegada do trabalhador
a sua residência ou ao ambiente de trabalho.
Para
viabilizar o recebimento do vale-transporte, o empregado
deve informar ao empregador, por escrito, seu endereço
residencial bem como os serviços e meios de transporte
mais adequados ao seu deslocamento residência-trabalho
e vice-versa. Além disso, o trabalhador deverá firmar
compromisso de utilizar o vale-transporte exclusivamente
para seu efetivo deslocamento residência-trabalho e
vice-versa. A declaração falsa ou o uso indevido do
vale-transporte constituem falta grave, podendo,
inclusive, ser caracterizada a justa causa. Quando o
empregado não exercer a opção deste benefício, a
empresa deverá obter declaração negativa, devendo
essas informações serem atualizadas semestralmente ou
sempre que ocorrer alteração em um dos dados. Isto
porque a OJ 215 da SDI-1 foi cancelada, corroborando o
entendimento de que cabe ao empregador provar por
escrito que o empregado não pediu o vale-transporte.
A
falta ao trabalho, ainda que justificada, pode acarretar
o desconto do vale-transporte, uma vez que referido
benefício é considerado de uso exclusivo para o
deslocamento do trabalhador de casa para o trabalho e
vice-versa. Nesse caso o empregador pode optar pelas
seguintes situações: (i) exigir que o empregado
devolva o vale-transporte que não foi utilizado; (ii)
deduzir no mês seguinte o vale não utilizado no mês
anterior ou; (iii) descontar o valor integralmente do
salário do empregado.
Salvo
previsão normativa em contrário, a concessão do
vale-transporte autoriza o empregador a descontar,
mensalmente, do trabalhador que exercer o respectivo
direito, o valor da parcela equivalente a 6% (seis por
cento) do seu salário básico ou vencimento, excluídos
quaisquer adicionais ou vantagens, cabendo ao empregador
o excedente da parcela referida.
Celeuma
que se apresenta é se o pagamento do vale-transporte
pode se dar em dinheiro.
Inicialmente,
há que se analisar a Convenção Coletiva da Categoria.
Havendo previsão coletiva do pagamento do
vale-transporte em dinheiro, entendemos desde já ser
essa prática lícita, uma vez que amparada em norma
convencional.
Nesse
sentido:
"VALE-TRANSPORTE.
PAGAMENTO
EM DINHEIRO. POSSIBILIDADE. PARÁGRAFO
ÚNICO DO ART. 4º DA LEI Nº 7418/85. PACTUAÇÃO
COLETIVA. VALIDADE A regulamentação do modo de
pagamento do benefício de vale-transporte em convenção
coletiva nada mais é do que fruto da avença consciente
entre sindicato do empregador e sindicato dos
trabalhadores - Interpretação do artigo 7º, XXVI, da
CF. Ademais, o benefício do vale-transporte não chega
a ser de tal monta a ponto de implicar em considerável
ganho salarial apto a possibilitar sua integração na
remuneração. O benefício é mais um auxílio ao
empregado sendo que sua concessão em dinheiro não
representa contraprestação pelo serviço prestado, mas
apenas a indenização pelo transporte utilizado,
inexistindo, portanto, natureza salarial. Recurso ordinário
do reclamante conhecido e não acolhido quanto a tal
ponto. (TRT 9ª R.; Proc 03609-2010-322-09-00-3; Ac.
05838-2012; Primeira Turma; Rel. Des. Cássio Colombo
Filho; DJPR 14/02/2012)".
"VALE
TRANSPORTE. PAGAMENTO IN PECUNIA. INALTERABILIDADE DE
SUA NATUREZA. POSSIBILIDADE DE PREVISÃO
EM NORMA COLETIVA. SEGURANÇA QUE
SE CONCEDE. A previsão, em norma coletiva, do pagamento
do vale-transporte em dinheiro é lícita, pois que a
Lei não veda a prática e o Decreto que o faz extrapola
suas atribuições sistêmicas. O pagamento assim tomado
não tem o condão de alterar a substância ou modificar
a natureza indenizatória do vale-transporte, razão
pela qual não incidem sobre tais parcelas contribuição
social ou FGTS. Segurança concedida. (TRT 2ª R.; RO
0161600-11.2009.5.02.0462; Ac. 2011/1334777; Nona Turma;
Relª Desª Fed. Eliane Aparecida da Silva Pedroso;
DJESP 21/10/2011)".
"VALE-TRANSPORTE.
CONCESSÃO
EM PECÚNIA DECORRENTE DE NORMA
COLETIVA. POSSIBILIDADE. AUTO DE INFRAÇÃO. NULIDADE.
Embora o art. 5º do Decreto nº 95.247/87, que
regulamentou a Lei nº 7.418/85 (que instituiu o vale-
transporte) restrinja a possibilidade de pagamento desta
parcela em dinheiro, nos casos de falta ou insuficiência
de estoque, não se pode deixar de considerar que o
inciso XXVI, do art. 7º da Constituição Federal
reconhece a validade dos instrumentos coletivos de
trabalho. As condições de trabalho e de salário
livremente ajustadas, com o objetivo de atribuir um
direito aos integrantes da categoria, devem ser
prestigiadas, sob pena de desestímulo à aplicação
dos instrumentos coletivos. Portanto os acordos e convenções
coletivas de trabalho legitimamente firmados serão
reconhecidos e observados, principalmente quando mais
benéficos aos trabalhadores. Uma vez que a empresa e o
Sindicato profissional resolveram negociar,
coletivamente, pelo recebimento dos vale-transportes em
pecúnia, frisando-se a manutenção da sua natureza
indenizatória e, consequentemente, a não incidência
de quaisquer encargos fiscais ou trabalhistas, tal
negociação deverá ser respeitada, sob pena de afronta
ao dispositivo constitucional retro citado. (TRT 3ª R.;
RO 1606/2009-025-03-00.9; Oitava Turma; Rel. Des. Márcio
Ribeiro do Valle; DJEMG 23/08/2010)".
Inexistindo
previsão normativa, imperioso se faz a análise da
legislação que abarca o vale-transporte. Muito embora
oDecreto
95.247, de 17 de novembro de 1987,
que regulamenta aLei
nº 7.418, de 16 de dezembro de 1985,
que institui o vale-transporte, com a alteração daLei
nº 7.619, de 30 de setembro de 1987,
reze no seu artigo 5º que:
"É
vedado ao empregador substituir o vale-transporte por
antecipação em dinheiro ou qualquer outra forma de
pagamento, ressalvado o disposto no parágrafo único
deste artigo."
Entendemos
que as leis são claras ao afastar a natureza salarial
do benefício em comento, independente se for pago em
moeda corrente nacional, só se desvirtuando tal
natureza se ficar comprovado fraude (artigo
9º, da CLT), ou
seja, se o valor pago em dinheiro for superior ao necessário
para o empregado ir e voltar do trajeto casa-
trabalho-casa, caracterizando, em verdade, um pagamento
"por fora".
Isto
porque:
Dispõe
oart.
15, caput e § 6º, da Lei 8.036/90:
"Art.
15. Para os fins previstos nesta lei, todos os
empregadores ficam obrigados a depositar, até o dia 7
(sete) de cada mês, em conta bancária vinculada, a
importância correspondente a 8 (oito) por cento da
remuneração paga ou devida, no mês anterior, a cada
trabalhador, incluídas na remuneração as parcelas de
que tratam os arts. 457 e 458 da CLT e a gratificação
de Natal a que se refere a Lei nº 4.090, de 13 de julho
de 1962, com as modificações da Lei nº 4.749, de 12
de agosto de 1965.
§ 6º Não se incluem na remuneração, para os fins
desta Lei, as parcelas elencadas no § 9º do art. 28 da
Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991."
Estatui
a alínea "f" do parágrafo 9º doartigo
28da Lei de Custeio
da Previdência Social,8.212
de 25 de julho de 1.991:
"Art.
28
§ 9º Não integram o salário-de-contribuição para
os fins desta Lei, exclusivamente: (Redação dada pela
Lei nº 9.528, de 10.12.97).
f) a parcela recebida a título de vale-transporte, na
forma da legislação própria".
Prevê
a legislação própria,Lei
7.418 de 16 de dezembro de 1.985,
que instituiu o benefício:
"Art.
2ºO vale-transporte,
concedido nas condições e limites definidos, nesta
Lei, no que se refere à contribuição do empregador:
a) não tem natureza salarial, nem se incorpora à
remuneração para quaisquer efeitos;
b) não constitui base de incidência de contribuição
previdenciária ou de Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço;
c) não se configura como rendimento tributável do
trabalhador.
Reza
oDecreto
4.840, de 17 de setembro de 2003,
que dispõe sobre a autorização de desconto em folha
de pagamento, no inciso IX, do § 1º doartigo
2º:
"Art.
2º Para os fins deste Decreto, considera-se:
§ 1o Para os fins deste Decreto, considera-se remuneração
básica a soma das parcelas pagas ou creditadas
mensalmente em dinheiro ao empregado, excluídas:
IX - auxílio-transporte, mesmo se pago em dinheiro;
e"
Seguem
algumas jurisprudências recentes nesse sentido:
"VALE-TRANSPORTE.
PAGAMENTO EM DINHEIRO. O pagamento em dinheiro de importância
a título de vale-transporte não modifica a natureza
indenizatória da parcela, destinada a custear as
despesas do empregado com transporte, e não a remunerar
o trabalho prestado, como ocorre nas hipóteses em que o
trabalhador recebe o valor correspondente a duas
passagens diárias do transporte público para o seu
deslocamento para o trabalho. (TRT 3ª R.; RO
458-71.2010.5.03.0094; Rel. Des. Emerson José Alves
Lage; DJEMG 09/03/2012; Pág. 102)".
"VALE-
TRANSPORTE. PAGAMENTO
EM DINHEIRO. NÃO INCIDÊNCIA DE
CONTRIBUIÇÃO- PREVIDENCIÁRIA E VALORES A TÍTULO DE
FGTS. Em regra, o vale-transporte pago em dinheiro tem
natureza indenizatória e assim, não está sujeito à
incidência de exação previdenciária e recolhimentos
de FGTS. Inteligência dos artigos 15, caput e parágrafo
6º da Lei nº 8.036/90 e 28, parágrafo 9º, letra f,
da Lei de Custeio da Previdência Social (8.212 de 25 de
julho de 1.991). Entendimento do C. STF (RE 478.410/SP).
(TRT 2ª R.; RO 0063700-53.2008.5.02.0465; Ac.
2011/1600485; Quarta Turma; Rel. Des. Fed. Ricardo Artur
Costa e Trigueiros; DJESP 27/01/2012).
"VALE-TRANSPORTE.
NATUREZA JURÍDICA. PREVALÊNCIA. PAGAMENTO EM ESPÉCIE.
Não cabe integrar os valores do vale-transporte pagos
em dinheiro à remuneração da reclamante para fins de
recolhimento previdenciário. Ainda que a concessão
seja irregular, pelo pagamento em dinheiro, não se
transfigura a natureza indenizatória do benefício.
(TRT 3ª R.; RO 154-97.2011.5.03.0139; Nona Turma; Rel.
Des. Ricardo Antônio Mohallem; DJEMG 23/09/2011; Pág.
249)".
"VALE-TRANSPORTE.
PAGAMENTO
EM DINHEIRO. NATUREZA INDENIZATÓRIA. A
reclamante recorre insurgindo-se contra a r. sentença
recorrida ao argumento de que o artigo 5º do Decreto nº
95.247, de 1987, proíbe a substituição do
vale-transporte por dinheiro, e invocando o artigo 2º
da Lei nº 7.418, de 1985. Nenhum reparo merece a r.
sentença recorrida por entender que o pagamento do
transporte em dinheiro não retira do vale-transporte a
sua natureza indenizatória. Não vem em socorro da
recorrente a invocação do artigo 5º do Decreto nº
95.247, de 1987, e do artigo 2º da Lei nº 7.418, de
1985, eis que a aludida proibição objetiva impedir, tão-somente,
que o vale- transporte represente meio circulante de
pagamento ou moeda (o que também estava se verificando
com as fichas de telefone público, àquela época),
assim como o vale-transporte possui natureza jurídica
de obrigação facultativa, não-obrigatória e não-
contraprestativa de trabalho prestado, pois, como bem
destacou a r. sentença recorrida, em sua fundamentação,
objetiva apenas reembolsar ao empregado os gastos com o
transporte. (TRT 3ª R.; RO 140/2010-142-03-00.1;
Terceira Turma; Rel. Juiz Conv. Milton Vasques Thibau de
Almeida; DJEMG 23/05/2011)".
"Não
tem natureza salarial o vale-transporte em dinheiro,
pois destina-se a ressarcir a despesa efetuada pelo
Empregado com o pagamento do transporte utilizado para
ir e vir ao trabalho. (TRT 1ª R.; RO
0122000-97.2008.5.01.0024; Quinta Turma; Relª Desª
Fed. Tânia da Silva Garcia; Julg. 27/04/2011; DORJ
10/05/2011)".
"VALE-TRANSPORTE.
PEDIDO DE INTEGRAÇÃO. PAGAMENTO EM DINHEIRO Natureza
indenizatória: Muito embora o art. 5º do Decreto nº
95247/87, ao regulamentar a Lei nº 7418/85, vede
""ao empregador substituir o vale-transporte
por antecipação em dinheiro ou qualquer outra forma de
pagamento", o pagamento da verba em espécie não
transmuda a natureza da verba para salarial. Além do
art. 6º, do citado Decreto, dispor expressamente que o
vale-transporte não terá natureza salarial, o mesmo
regramento pode ser encontrado no art. 2º, alínea a,
da Lei nº 7.418/85: ""a) não tem natureza
salarial, nem se incorpora à remuneração para
quaisquer efeitos"". Ou seja, além da
taxatividade na legislação relativamente à natureza
jurídica indenizatória da verba, a finalidade do benefício
confirma o acerto do legislador, qual seja, visa o
ressarcimento pelos gastos tidos com o deslocamento do
empregado no trajeto trabalho/casa e vice/versa. O que
resulta dizer, mesmo que pago em dinheiro, não
representa contraprestação pelo trabalho prestado,
sendo indevida, pois, a pretendida integração. Sentença
mantida. (TRT 9ª R.; Proc. 23456-2009-008-09-00-6; Ac.
38098-2010; Quarta Turma; Relª Desª Sueli Gil
El-Rafihi; DJPR 26/11/2010)".
"DESPESA
DE TRANSPORTE. VALOR PAGO EM DINHEIRO. INTEGRAÇÃO À
REMUNERAÇÃO. INDEVIDA. Das disposições previstas no
inciso IX do § 1º do art. 2º do Decreto nº
4.840/2003 e no inciso I do art. 2º da Lei n. 7.418/85,
verifica-se que o legislador reconheceu de forma
expressa a modalidade de pagamento do vale-transporte em
dinheiro excluindo-o da remuneração básica para
quaisquer efeitos, razão pela qual mantenho a r. Sentença
que indeferiu a integração ao salário da reclamante
do valor recebido a título de vale-transporte. Nego
provimento. (TRT 23ª R.; RO 01145.2009.021.23.00-0;
Segunda Turma; Relª Desª Leila Calvo; DEJTMT
25/08/2010; Pág. 29).
"VALE-TRANSPORTE.
PAGAMENTO
EM DINHEIRO. MANUTENÇÃO DA NATUREZA
JURÍDICA INDENIZATÓRIA. O vale-transporte é benefício
que, segundo o art. 2º, da Lei nº 7.418/85, remunerado
pela Lei nº 7.619/87, e a jurisprudência pátria, não
tem natureza salarial, nem se incorpora à remuneração
para quaisquer efeitos, ainda que concedido em pecúnia
pelo empregador. (TRT 23ª R.; RO01146.2009.021.23.00-4;
Primeira Turma; Rel. Juiz Conv. Aguimar Peixoto; DEJTMT
28/06/2010; Pág. 16)".
Este,
inclusive, é o entendimento do Supremo Tribunal Federal
(RE 478.410/SP):
"32.
Pago o benefício de que se cuida neste recurso
extraordinário em vale-transporte ou em moeda, isso não
afeta o caráter não salarial do benefício. Pois é
certo que, a admitirmos não possa esse benefício ser
pago em dinheiro sem que seu caráter seja afetado,
estaríamos a relativizar o curso legal da moeda
nacional. Ela há de ter sido útil, no entanto, na
medida em que me permite afirmar que qualquer ensaio de
relativização do curso legal da moeda nacional afronta
a Constituição enquanto totalidade normativa.
Relativizá-lo, isso equivaleria a tornarmos relativo o
poder do Estado, dado que - como anotei linhas acima -
parte do poder do Estado é integrado a cada unidade
monetária, de modo tal que à oposição de qualquer
obstáculo ao curso legal da moeda estaria a
corresponder indevido questionamento do poder do Estado.
33.
A
cobrança da contribuição previdenciária sobre o
valor pago, em dinheiro, a título de vales-transporte,
pelo recorrente aos seus empregados afronta a Constituição,
sim, em sua totalidade normativa.
34.
Por estas razões, o artigo 5º do decreto n. 95.247/87
é absolutamente incompatível com o sistema tributário
da Constituição de 1988".
Milena
Pires Angelini Fonseca
Advogada
formada pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), em
1999. Inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, na Secção
de São Paulo, em 2000. Pós-graduada em Direito
Material e Processual do Trabalho pela Faculdade de
Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em
2008. Trabalha atualmente na Andrioli e Giacomini
Advogados.
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